As pessoas naturalmente suspeitam de líderes que mostram uma confiança exacerbada na dissecação de números: eles são considerados meros sovinas que não identificam as habilidades dos profissionais e tomam decisões pouco sensatas, baseadas apenas na contabilidade rasa. Calculista, afinal, dificilmente é um elogio. Então por que as escolas de negócio enfatizam uma abordagem quase puramente quantitativa de liderança e tomada de decisão? Além do mais, há evidência empírica que sustente a intuição de que uma pessoa calculista estaria mais propensa a agir de maneira egoísta ou antiética?
J. Keith Murnighan, professor de gestão e organizações na Kellogg School of Management, da Universidade de Northwestern, investigou recentemente essas questões com seus colaboradores Long Wang, da Universidade City de Hong Kong, e Chen-Bo Zhong, da Universidade de Toronto. “Estávamos interessados no que leva as pessoas a decisões antiéticas, e também pretendíamos examinar o fato de as escolas de negócio enfatizarem as análises quantitativas dos problemas”, diz Murnighan. “Colocamos juntas essas duas questões, porque um dos nossos objetivos é treinar e desenvolver líderes efetivos.”
“Há muito pouca discussão sobre ganância em economia”, afirma. “O interesse próprio é importante; é alicerce de economias capitalistas e mercados eficientes. Mas a teoria econômica não determina um ponto de parada para o egoísmo. Onde ele deveria terminar? Quase nenhuma decisão que qualquer líder organizacional tome tem consequências exclusivamente individuais, e, quando alguém age egoisticamente ou de maneira antiética, é difícil criar e manter sistemas que são consistentemente justos, eficientes e sustentáveis.”
O interesse dos pesquisadores no impacto do pensamento quantitativo no comportamento ético se desenvolveu a partir de pesquisas prévias que estabeleceram uma conexão entre análise racional e tomada de decisão em interesse próprio. Eles designaram uma série de experimentos que utilizam dois exercícios clássicos da teoria dos jogos — o “jogo do ultimato” e o “jogo do ditador” — para medir como se dá o comportamento antiético ou egoísta dos participantes depois que são imbuídos de uma tarefa quantitativa. Em um experimento, um grupo foi instruído a ler um tutorial sobre valor atual líquido, “a espinha dorsal da análise da escola de negócios”, diz Murnighan; o grupo de controle leu um resumo histórico da revolução industrial, “que dizia respeito a comércio e capitalismo, mas não apresentava números”.
“Ficamos surpresos com o quão fortes foram os resultados”, afirma. “Tanto no jogo do ultimato quanto no do ditador, os participantes começaram com uma ‘doação’ monetária. No jogo do ditador, eles podiam mantê-la integralmente; no jogo do ultimato, tinham de oferecer parte da doação a uma pessoa anônima, e manter consigo apenas o restante se ela aceitasse a oferta. A diferença é que, no jogo do ultimato, apenas o ofertante sabe qual o valor da doação original e pode mentir sobre o tamanho total da torta. Fica a cargo dos participantes o quanto mantêm e o quanto oferecem. Os participantes que revisaram o tutorial quantitativo antes do jogo ofereceram significativamente menos dinheiro em comparação àqueles que leram o artigo histórico. Eles também foram mais propensos a mentir sobre o tamanho de suas doações.
Murnighan não acredita que toda análise quantitativa leva as pessoas a agir de forma egoísta ou antiética. “Se você está analisando quanto do seu lucro deve ser doado para caridade, esses efeitos não devem se manifestar”, diz. “Mas as atividades cotidianas de um analista de negócios são inexoravelmente quantitativas. E se você é o CEO de uma companhia em que todas as decisões são tomadas somente a partir desse tipo de análise, nossa pesquisa sugere que a probabilidade de alguém agir de maneira antiética aumenta.”
O perigo, diz Murnighan, não provém da mentalidade calculista em si, mas de usar apenas esse caminho para solucionar problemas. Quantificar tudo inibe os desejos normais dos indivíduos de “parecerem éticos para si mesmos e para os outros”, acrescenta. Em outras palavras, não é que o pensamento numérico desperte o pior nas pessoas, mas que bloqueia outras intuições sociais sobre evitar ganância e desonestidade.
Murnighan espera que as descobertas encorajem uma mudança em como as habilidades em negócios e gestão são ensinadas. “Não deveríamos encorajar as pessoas a maximizar lucros; em vez disso, deveríamos encorajá-las a maximizar valor”, afirma. “Maximizar valor também é de interesse próprio, mas leva em consideração o fato de que outras pessoas e organizações também são relevantes. Além de lutar pela maior fatia da torta, uma abordagem de maximização de valor expande a torta e, então, há mais para buscar para si mesmo e para os outros.”
Olhar além da mentalidade calculista encoraja um pensamento de longo prazo sobre resultados sustentáveis, e não simplesmente lucrativos. “A maioria das negociações entre pessoas se repete”, explica Murnighan. “Imagine uma negociação em que você leva da mesa cada migalha, mas terá que negociar de novo com a mesma pessoa no mês que vem. Qual será então a percepção dela a seu respeito?”
Fonte: Valor Econômico