Por Maria Fernanda Prado e Juliana G. de Sene
O setor de saúde no Brasil apresenta um alto nível de desaprovação da população. Uma das primeiras ações relevantes do Ministro da Saúde após reeleição do atual governo foi a promulgação do novo marco regulatório das Parcerias de Desenvolvimento Produtivo no Brasil (PDP’s) – parcerias entre instituições públicas e privadas com objetivo de transferir tecnologia do setor de saúde (medicamentos, vacinas e aparelhos) para o país, vinculadas à demanda do Sistema Único de Saúde (SUS).
A Portaria GM/MS 2.531 de 12 de novembro de 2014 deriva de uma consulta pública aberta no mês de agosto do ano passado. Foram 23 dias de consulta pública e, após contribuições do Brasil e do exterior (por parte das farmacêuticas estrangeiras, detentoras de tecnologia) vindas de associações, empresas privadas e públicas, foram redefinidas as diretrizes e os critérios para a formação da lista de produtos estratégicos para o SUS e o estabelecimento das PDPs no Brasil, substituindo a regulamentação anterior de 2012.
As PDPs têm entre seus objetivos reduzir a dependência produtiva e tecnológica do país no setor de saúde, fomentando o parque produtivo nacional e buscando a sustentabilidade tecnológica e econômica do SUS. Até o momento, são mais de cem PDPs implementadas no Brasil, envolvendo dezenas de laboratórios públicos e empresas brasileiras e estrangeiras do ramo farmacêutico, com previsão para movimentar R$ 20 bilhões em 2015.
As Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDP’s) são importantes no fomento do parque produtivo nacional
A Portaria 2.531/2014 traz maior segurança e previsibilidade para as PDPs e atende, principalmente, ao interesse dos participantes nacionais, tanto os públicos quanto os privados. Aos públicos porque a transferência de tecnologia aos laboratórios ligados ao governo está diretamente atrelada ao desenvolvimento das PDPs e contará com a supervisão criteriosa do Ministério da Saúde. Aos privados porque, claramente, foram impostas regras que colaboram com a transferência de tecnologia para entidades privadas com parque produtivo nacional, sendo inclusive um dos critérios de desempate na escolha de projetos de PDPs para um mesmo produto.
Por sua vez, grandes detentores de tecnologia, estrangeiros e nacionais, também ficaram satisfeitos ao verificar que a nova regulamentação exige tão somente a transferência de tecnologia para atendimento de demanda do SUS e, portanto, o mercado privado restará livre para sua exploração.
É ainda promissor para parceiros públicos e privados o fato de a Agência Nacional de Saúde (Anvisa) agora priorizar os registros dos produtos advindos de PDPs, diminuindo a burocracia desses processos.
No entanto, apesar da intensa participação dos interessados na elaboração desta nova portaria, nem todas as sugestões foram acatadas pelo Ministério da Saúde.
Dentre elas, uma maior flexibilidade para o prazo das PDPs, que foi mantido rígido em até dez anos. A antiga regulamentação estabelecia um prazo inicial de cinco anos, mas era mais flexível nos casos em que o período necessário para o desenvolvimento tecnológico fosse notavelmente superior e a PDP resultasse na nacionalização de um produto altamente relevante para o país.
No Brasil, os contratos de transferência de tecnologia sempre sofreram graves intervenções do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), mas parecia haver flexibilidade com a interferência do Ministério da Saúde e o atendimento de interesses públicos. Todavia, sem possíveis exceções garantidas pela Portaria 2.531/2014, os detentores de tecnologia de ponta, com altos investimentos iniciais, perguntam se o prazo máximo de dez anos é suficiente para garantir seu retorno financeiro.
Outro ponto ainda discutido é a garantia de compras de produtos pelo SUS. Enquanto parceiros privados desejavam que o Ministério da Saúde se comprometesse em adquirir os produtos estratégicos frutos das PDPs, uma vez que elas fossem aprovadas, financiando assim os laboratórios públicos, a Portaria 2.531/2014 estabeleceu expressamente que a aprovação das propostas de projeto de PDP não vincula o Ministério da Saúde ao financiamento de investimentos e ao custeio de despesas nas instituições públicas, desagradando assim os fornecedores de produtos.
Sem prejuízo do disposto, o saldo da nova regulamentação parece ser positivo. Os participantes dos projetos de PDPs aprovados antes da divulgação da Portaria 2.531/2014 respiraram aliviados, pois seus projetos continuam válidos e só precisarão de algumas adaptações. O Ministério da Saúde pretende consolidar a execução das PDPs no Brasil. Mesmo em um cenário de desaceleração econômica, a indústria farmacêutica continua apresentando crescimento expressivo e a expansão das PDPs será importante no contínuo fomento do parque produtivo nacional do setor nos próximos anos, devendo ser prioridade do governo.
Maria Fernanda de Almeida Prado e Silva e Juliana Gebara de Sene são, respectivamente, sócia da prática de societário advogada sênior da prática de Propriedade Intelectual do escritório Mattos Filho, ambas integrantes do grupo de Life Science da banca
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Fonte: Valor Econômico/SP